domingo, novembro 22, 2020

53. Três testes para a espiritualidade

Espiritualidade Cristã (parte 53/64)

      “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.
 I João 2.15-17

      “E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.”
 Gênesis 3.6-7

      “Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome; E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães. Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
      Então o diabo o transportou à cidade santa, e colocou-o sobre o pináculo do templo, E disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces em alguma pedra. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus.
      Novamente o transportou o diabo a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E disse-lhe: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Então disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás. Então o diabo o deixou; e, eis que chegaram os anjos, e o serviam.” 
Mateus 4.1-11

      Essa abordagem não é nova, mas achei interessante trazê-la a esse estudo sobre espiritualidade, ela diz que em todas as tentações que sofremos, basicamente, três coisas são testadas em nós. Ela resumi todos os “testes” que o mal nos faz a essas três coisas, partes de uma estratégia que esteve presente na tentação de Adão no Éden, assim como na tentação de Cristo no deserto. As três coisas são: concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e a soberba da vida, que confrontam gradativamente o ser com o mal. Concupiscência, é cobiça de bens materiais ou anelo de prazeres sensuais, é dar lugar aos instintos carnais do homem, carnal no sentido físico, do corpo, que a princípio nada tem de errado, mas que pode se tornar “carnal” no sentido pecaminoso. A carne se torna “carnal” quando valores mais altos são relegados em favor dos mais baixos, quando o físico ou o emocional ganham prioridades sobre o espiritual, quando o ser humano perde o equilíbrio entre suas partes, o corpo, a alma e o espírito. 
      Moisés, no texto de Gênesis, define os conceitos denominados por João o evangelista em sua primeira carta, assim há uma correspondência entre eles. O fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal é bom para comer, o que tenta a concupiscência da carne, mas ele também é agradável aos olhos, o que tenta a concupiscência dos olhos, finalmente é desejável para dar conhecimento, que tenta a soberba da vida. Uma testa o corpo, a outra a alma e a última o espírito. Na tentação de Cristo também há uma correspondência entre as três coisas, na sugestão dada a Cristo para que ele transformasse pedras em pães é tentada a concupiscência da carne, na sugestão que ele se lançasse do pináculo do templo é tentada a concupiscência dos olhos, e na possibilidade de ter tudo o que quisesse é tentada a soberba da vida. O corpo é tentado com às necessidades básicas de sobrevivência, a alma com as vaidades aparentes que vão além dos instintos primordiais, o espírito com a necessidade de ter poder sobre tudo. 
      A concupiscência da carne tenta o querer imediato, a concupiscência dos olhos o ter para mostrar aos outros, e a soberba da vida tenta o ser, que estrapola o plano físico e quer dominar o espiritual. Querer, ter e ser, eis a evolução daquilo que é tentado em nós pelo mal, vemos claramente na sociedade pessoas de níveis financeiros e culturais diferentes desejando coisas distintas. Os mais pobres só querem trabalho para se alimentarem, se vestirem e terem onde morar. Acima desses, aqueles que ganham o suficiente para o básico mais alguma coisa, não se satisfazem só com comer, vestir e morar, querem comer algo mais caro, vestir algo mais chique, morar numa casa melhor, ter mais de um carro. Para que, para satisfazer necessidades? Não, passaram desse ponto, querem mostrar aos outros que são melhores, no campo material, mas também usam o que têm a mais que os mais pobres para consumir cultura e informação, e isso também é vaidade, o primeiro passo para a soberba da vida no campo intelectual. 
      Finalmente vemos os mais perigosos, que já têm tudo o que precisam e mais um pouco, tanto na área material quanto intelectual, esses querem ser, ser o quê? Serem adorados, querem ser deuses. Vemos políticos, empresários, artistas e outros nesse nível de tentação. Não há nada de errado em ser rico, político ou artista, mas alguns acham prazer na proeminência social que essas posições dão e se viciam nesse prazer, proeminência que é simples efeito de uma causa. Quando se faz um bom trabalho é natural que sejamos elogiados por isso, que ganhemos mesmo alguma fama por isso, mas a fama é algo perigoso, que deve ser administrado com lucidez e humildade. Muitos conseguem vencer a tentação nos dois primeiros testes, não se vendem por um prato de comida nem querem aparentar só para parecerem melhor que os outros, contudo, caem diante da soberba da vida, a pior das tentações porque corrompe mais que corpo e alma, corrompe o espírito e leva o homem a invejar a Deus. 
      Assim, a fama, que deveria ser mero efeito de quem é competente, passa a ser o objetivo final, quando as pessoas não querem mais fazer algo bem feito, querem ser adorados por isso. Veja que nas duas primeiras tentações a queda numa tentação só prejudica a própria pessoa, quando ela troca o prazer de um fruto por uma virtude, ou troca a exibição da aparência do fruto pelo amor sincero dos outros, sim, porque o que sucumbe à concupiscência dos olhos se afasta das pessoas porque se acha melhor que elas. Na terceira tentação, contudo, as pessoas querem se aproximar das outras, mas para dominá-las, e fazem isso mentindo, enganando. Quem quer o lugar de Deus toma o lugar de Lúcifer e esse não tem escrúpulos para obter seus objetivos. A soberba da vida quer o conhecimento de Deus sem ser Deus e sem ter o Espírito Santo dentro de si. Infelizmente muitos pastores, pregadores e cantores evangélicos caem nessa tentação, viciam-se em fama e poder, e querem adoradores, não irmãos ou ovelhas. 
      Como o diabo que dizemos ser o pai da mentira, um ser das trevas, que incentiva o mal, conhece tão bem o ser humano? Na verdade precisaríamos rever muitas de nossas crenças, incluindo o que achamos ser o diabo e entender melhor o que é bem e mal, luz e trevas, e todas as implicações disso tudo na nossa moralidade. Não é o ponto aqui, mas resumindo, esse assunto não é tão simples como muitos acham que é, contudo, o que de fato precisamos saber é: o melhor caminho, o que traz a paz que permanece e o amor que une, é aquele que olha para o Deus altíssimo através de Jesus. Esse caminho nos afasta do diabo e de todas as suas estratégias, que não são de maneira alguma burras ou levianas, porque na minha opinião são autorizadas por Deus. Se como já foi dito nesse estudo, o diabo é responsável pelo serviço sujo, ele também é responsável pelos testes, não é o que ensina, mas pode ser o que aplica as provas, se for isso ele não é um oponente que contribui para o caos, mas parte do grande sistema, que confere a ele, equilíbrio. 

      “E aconteceu que, tendo decorrido um ano, no tempo em que os reis saem à guerra, enviou Davi a Joabe, e com ele os seus servos, e a todo o Israel; e eles destruíram os filhos de Amom, e cercaram a Rabá; porém Davi ficou em Jerusalém. E aconteceu que numa tarde Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real, e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista. E mandou Davi indagar quem era aquela mulher; e disseram: Porventura não é esta Bate-Seba, filha de Eliã, mulher de Urias, o heteu? Então enviou Davi mensageiros, e mandou trazê-la; e ela veio, e ele se deitou com ela (pois já estava purificada da sua imundícia); então voltou ela para sua casa.
II Samuel 11.1-4

      Cada teste é perigoso para cada um de nós no nível de espiritualidade que estivermos. Muitas vezes é melhor termos vidas simples se podemos dar conta só do primeiro teste, simples mas humildes. Em outros casos, ainda que tenhamos competências, é melhor permanecermos discretos e não adquirirmos fama, se ela for uma tentação muito forte para nós, que nos leve a querer uma glória que é de Deus, não nossa. Melhor entrarmos no céu com só um olho que com dois formos ao inferno (Mateus 18.9). Muitos podem não acreditar, mas como existem pessoas que fazem o que fazem só porque querem ser amadas, e se essa carência for muito grande e muito mal resolvida as pessoas poderão ser motivadas para alcançarem posições elevadas no mundo, só para terem a atenção do maior número de pessoas possível. Muitos ditadores e tiranos, levaram nações inteiras a guerrearem contra o mundo, só para saciarem uma terrível necessidade de adoração.
      Mas por mais inacreditável que pareça o desejo dessas concupiscências está latente no ser humano, o casal original sucumbiu aos três testes e eles não tinham nenhum motivo aparente para serem carentes, de nada. Tinham um jardim maravilhoso para viver e um pai, o melhor pai do universo, que cuidava deles bem de perto. Isso nos ensina que a culpa de nossos pecados não é de nossos pais, de nossa criação ou da sociedade, a culpa é nossa, todos temos livre arbítrio para fazer escolhas. Que espiritualidade podemos ter? Aquela que administrarmos do melhor jeito, simples assim, e entenda, aquela que lidarmos melhor com ela, será o jeito melhor de agradarmos a Deus, de sermos felizes e de fazer nossos próximos felizes. Deus não julga pela aparência, mas pelo coração. Muitos adquirirão o mais elevado nível de espiritualidade sendo pessoas simples e discretas, sem nenhum reconhecimento do homem (leia também sobre a tentação de Cristo em “A primeira tentação de Cristo”).
      Algo interessante sobre os três testes é que eles podem ocorrer em tempos e lugares diferentes, se no jardim do Éden foi testado o primeiro homem e no deserto o último, podemos achar na vida de Davi (II Samuel 11) o tempo e o lugar para testar o homem intermediário. Esses testes, esses tempos e esses lugares revelam mistérios profundos, são metáforas para as vidas de todos os seres humanos. Nosso primeiro teste ocorre no início de nossas vidas como adultos, é o que nos faz sair da idade da inocência e entrar na idade da razão, onde escolhas nos são apresentadas e fazê-las definirá nossas vidas. O último teste ocorre em nossas velhices, quando a paixão já tiver seca, quando nossas forças físicas estiverem diminuídas e consequentemente estivermos menos susceptíveis a cairmos nas tentações básicas da carne. Nesse momento, no deserto, poderemos ser confrontados com os conhecimentos espirituais mais profundos, que definirão nossa eternidade, mais próxima do que nunca de nós. 
      Mas o segundo teste ocorre no meio do caminho, quando já tivemos algumas vitórias e conquistamos, principalmente neste mundo, bens e posições. O segredo para não cair nessa tentação é não relaxar antes do tempo, se é que existe neste mundo um momento para relaxar, manter-se vigiando e lutando, é não se iludir com o passageiro. Davi pode ter caído porque achou que já tinha tudo e podia ficar em casa descansando, enquanto os outros lutavam, “numa tarde Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real, e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando... então enviou Davi mensageiros, e mandou trazê-la, e ela veio, e ele se deitou com ela. Parece-nos que tudo foi tão fácil e rápido, mas esse é um exemplo típico de se estar no tempo errado, no lugar errado fazendo a coisa errada. Somos presas fáceis do pecado quando depois de muitos avisos desobedecemos não uma, mas várias regras, simplesmente porque queremos descansar antes do tempo.  
      Davi é o símbolo da glória maior do homem no plano físico, levou Israel, dentro da velha aliança, à sua melhor situação no mundo, como nação política, econômica e religiosa, mas como tudo que ainda não conhece a espiritualidade mais alta de Deus, sucumbe, e sucumbiu justamente na concupiscência dos olhos de Davi quando ele adulterou. Por misericórdia Deus não permitiu que o castigo maior viesse no tempo de Davi, nem de seu filho Salomão, que nasceu de sua relação adúltera, mas só no tempo de seu neto. Roboão não reinaria sobre as doze tribos unificadas por seu avó Davi, mas somente sobre Judá e Benjamim, reino que recebeu o nome de Judá, as outras dez tribos ficariam com Jeroboão que legaram o nome de Reino de Israel. É um ensino para todos nós, a desaprovação no segundo teste pode tirar de nós grande parte do direito de prosperidade que teríamos se fôssemos aprovados, seguiremos com algumas vitórias, mas aquém daquelas que originalmente Deus queria nos dar. 
      Mais que estarmos no lugar errado e com os sentimentos errados, podemos cometer um erro pior e perdermos tudo o que tínhamos conquistado até então, se perdermos a noção de tempo. Há tempo para descansar, e se for o tempo de Deus estaremos protegidos, por fora e por dentro, por fora pela providência divina, e por dentro pelo nosso próprio espírito já amadurecido e focado nas coisas do Espírito Santo e não da carne. “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus“ (Romanos 8.14), os que são guiados pelo Espírito de Deus têm noção do tempo, não se apressam em relaxar antes da hora, mas também não se mantêm fazendo esforços exagerados quando já deveriam descansar em Deus e ocuparem-se só com coisas espirituais. Pecam os que param de lutar antes do momento e também os que continuam lutando quando Deus mandou parar de lutar. Enfim, jardim, terraço ou deserto? Em que lugar e tempo estamos? Em quantos testes fomos aprovados a caminho da espiritualidade?

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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