quinta-feira, novembro 05, 2020

36. Espiritualidade e obras

Espiritualidade Cristã (parte 36/64)

      “Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus. Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé. E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu os emissários, e os despediu por outro caminho? Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta.Tiago 2.20-26

      Interessante que o mesmo religioso que busca tanto receber dádivas materiais nas igrejas, é meio avesso a abençoar materialmente os outros, e eis mais uma das características do povo evangélico atual. Muitos sentem-se absolutamente desobrigados para ajudar materialmente principalmente os mais pobres e necessitados, existe uma grande maioria de crentes em igrejas evangélicas que não se sentem responsáveis por serem fatores de mudança numa sociedade onde poucos têm muito e muitos têm pouco. O “Como o ar que respiro” não é um espaço de estudos bíblicos, no sentido convencional, creio que de estudos bíblicos, e de excelente qualidade, os púlpitos, reais e virtuais, estão cheios, e ainda assim o povo cristão não muda de atitude. Dessa forma não vai aqui mais um estudo sobre o livro de Tiago, o escritor do cânone bíblico que fala com mais propriedade do tema, mas uma exortação para nos acordar para a espiritualidade cristã. 
      Talvez tenha pouco a ver com a espiritualidade da teologia evangélica tradicional na prática, mas muito com a espiritualidade ensinada por Jesus, quando homem neste mundo, a espiritualidade cristã mais pura e original. O que vemos nas igrejas evangélicas opõe-se à prática de outras religiões, principalmente espíritas, onde o ditado “faça o bem não importa a quem e no nome de quem” revela que boas obras podem ser mais importantes até que fé e mesmo fé em Deus, para elevar a espiritualidade humana. Esse é o outro extremo do ensino, sabemos que a Bíblia não ensina um extremo mas o equilíbrio, entre fé e obras, mas na prática muitos evangélicos vivem o extremo de que só é necessário crer. Você acha que isso não é verdade? Então talvez seja porque tua igreja é uma exceção, mas se for feito um senso veremos que muitas igrejas não têm preocupação em ajudar materialmente o próximo, no máximo fazem alguma distribuição de cesta básica para membros em situações econômicas ruins. 
      Uma informação sobre o texto inicial, que aliás se aplica a muitas das apologias teológicas do novo testamento, principalmente as de Paulo, frequentemente se afirma a maior excelência da nova aliança por Cristo sobre a velha aliança de Moisés. Naquele momento da história cristã, no século um, era importante que os judeus entendessem a eficácia do sacrifício de Jesus, que eles não precisariam continuar com sua velha religião, com sacrifícios e festas, todas essas obras foram substituídas pelo sacrifício de Cristo. Na visão do evangelho fé é de suma importância porque credita salvação em algo que já foi feito, e não é, algo que se está fazendo no momento em que a fé está sendo exercida. Na velha aliança também era necessário fé, mas em algo presente, mas o sacrifício de Cristo é algo do passado, e mais eficiente que o sacrifício de animais porque foi o próprio Deus que se sacrificou sem pecado. 
       No caso do texto de Tiago 2 Abraão é usado como exemplo porque é conhecido pelos judeus como o pai da fé, alguém que tinha experimentado aliança com Deus pela fé e não por obras antes mesmo da Lei de Moisés, uma aliança por obras, ser estabelecida. Paulo usa Abraão em uma defesa da fé sobre as obras, “Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça“ (leia todo o 4º capítulo da carta aos Romanos para mais entendimento, texto que é creditado por muitos estudiosos a Paulo). Mas Tiago usa o mesmo Abraão para defender o valor das obras, não como maior que o da fé, mas como algo que a completa. A frase final do texto inicial de Tiago é fantástica, “assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta”, explica o conceito com as palavras do Espírito Santo, fé e obras ligadas como causa e efeito, não se pode separar o corpo do espírito.
      A verdade é que não são eventos separados, fé dom de Deus tem como efeito boas obras, isso é algo natural na experiência de caminhar com o Senhor, mas se isso não está ocorrendo o homem está em débito, não com Deus, Deus não precisa de nada e de ninguém para se completar, ele é pleno, mas com o universo, criado por Deus e sob regras inexoráveis dele que servem para todos os homens. O cristão que está errado sente o erro, contudo, muitos tentam pagar a dívida de outro jeito, ao invés de ajudarem os que precisam com iniciativas financeiras, enchem os “altares” de dízimos e ofertas, uma igreja que vive e incentiva essa prática nunca vai se posicionar nas mais elevada espiritualidade cristã. O correto seria ajudar como ensina o evangelho, na mais completa discrição (Mateus 6.3-4) e somente por amor. Mas será que a Igreja (corpo de Cristo na Terra hoje) ama? Será que ela está sendo ensinada a amar?
      “Mas ai de vós, fariseus, que dizimais a hortelã, e a arruda, e toda a hortaliça, e desprezais o juízo e o amor de Deus. Importava fazer estas coisas, e não deixar as outras“ (Lucas 11.42). Infelizmente muitas igrejas ou são grandes empresas ou pequenos clubes. Nas igrejas “grandes empresas” as pessoas são parte de massas com carência de fazerem parte de algo, de uniformes, nessas é onde se paga tudo com dízimos, onde quanto mais gente tiver é melhor, onde perder-se na multidão é escapismo para não enfrentar a própria realidade. Nos “clubes” constroem-se comunidades quase que familiares, esses até se ajudam, mas como grupos fechados e com número limitado de membros, essas igrejas perderam a visão de evangelismo. Nos dois tipos de igreja se foge do inferno e do diabo, mas ainda assim não se prova a verdadeira espiritualidade cristã, e muito menos se adquire maturidade para exercer obras de amor. 
      O que de fato falta é uma apropriação profunda da vivência cristã, as pessoas atualmente até se aprofundam, mas nas coisas erradas. Se apaixonam loucamente umas pelas outras e em nome da paixão se dão por inteiras e depressa, ah, se fossem assim com Deus, se se apaixonassem por Jesus com igual energia e com tamanha disposição para seja aprofundarem nessa comunhão. Então, a fé seria intensa e os obras naturais, toda a sociedade seria abençoada, não só as igrejas, não só os líderes, a luz de Deus brilharia de tal maneira no mundo que o evangelho teria, da maneira certa, uma influência positiva. Não seria como muitos pensam hoje no Brasil, ter um presidente que respeita cristãos e que perdoa dividas de impostos não pagos de templos, não seria como participante em um conflito de ideologias extremas, porque os cristãos não se imporiam por palavras, mas praticando boas obras por amor, sem exigirem nada em troca. 
      Um outro ponto é que muitos cristãos aliam suas espiritualidades às igrejas, ou melhor, àquilo que fazem dentro das quatro paredes dos templos, assim se portam novamente como manadas que seguem ordens sem pensarem muito no assunto, isso lhes oferece uma zona de conforto, além de jogar a responsabilidade por qualquer erro de percurso nos líderes, não neles. Dessa forma não tomam iniciativa para serem espirituais como indivíduos, mas só como partes do coletivo, se veem uma família vizinha do bairro onde moram em dificuldades, pensam, o problema não é deles, eles já fazem suas partes participando de cultos, dizimando. Muitos evangélicos atualmente não se pensam como parte da sociedade, mas só como participantes de igrejas, é certo que essa polarização política que esta ocorrendo no Brasil desde a última eleição presidencial tem politizado muitos cristãos, mas essa nova realidade tem se mostrado equivocada.
      Muitos evangélicos não pensam uma sociedade com tolerância religiosa e diferenças de ideologias, mas como uma grande igreja evangélica, um engano que desrespeita o livre arbítrio humano assim como a vontade soberana de Deus para o mundo atual. Ser cristão no mundo não é algo fácil, fácil é sê-lo entre as quatro paredes dos templos, mas Jesus nos chama para fora, não para dentro, essa foi sua ordem final antes de subir ao céu (Mateus 28.19-20). Dessa forma desenvolver uma espiritualidade individual, independente da agenda de ministérios cristãos de igrejas, é assumir responsabilidade pessoal pela sociedade, pelo mundo, ainda que muitos no mundo não sejam cristãos. Isso é mostrar amor como Jesus mostrava como homem, sem compromisso com fama ou apego a vaidades, sendo verdadeiro com as pessoas, mas nunca condenando-as, e sempre deixando uma porta aberta para a salvação. Isso é espiritualidade cristã.

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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