sexta-feira, novembro 06, 2020

37. Espiritualidade e liberdade

Espiritualidade Cristã (parte 37/64)

      “Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Eu fiz aliança com vossos pais, no dia em que os tirei da terra do Egito, da casa da servidão, dizendo: Ao fim de sete anos libertareis cada um a seu irmão hebreu, que te for vendido, e te houver servido seis anos, e despedi-lo-ás livre de ti; mas vossos pais não me ouviram, nem inclinaram os seus ouvidos. E vos havíeis hoje arrependido, e fizestes o que é reto aos meus olhos, apregoando liberdade cada um ao seu próximo; e fizestes diante de mim uma aliança, na casa que se chama pelo meu nome; Mudastes, porém, e profanastes o meu nome, e fizestes voltar cada um ao seu servo, e cada um à sua serva, os quais já tínheis despedido libertos conforme a vontade deles; e os sujeitastes, para que se vos fizessem servos e servas. 
      Portanto assim diz o Senhor: Vós não me ouvistes a mim, para apregoardes a liberdade, cada um ao seu irmão, e cada um ao seu próximo; pois eis que eu vos apregôo a liberdade, diz o Senhor, para a espada, para a pestilência, e para a fome; e farei que sejais espanto a todos os reinos da terra. E entregarei os homens que transgrediram a minha aliança, que não cumpriram as palavras da aliança que fizeram diante de mim, com o bezerro, que dividiram em duas partes, e passaram pelo meio das suas porções; A saber, os príncipes de Judá, e os príncipes de Jerusalém, os eunucos, e os sacerdotes, e todo o povo da terra que passou por meio das porções do bezerro” 
Jeremias 34.13-19

      A religião de Israel nos tempos do antigo testamento era bem mais que regras morais e protocolos religiosos, também dava orientações sociais, políticas e mesmo de saúde e higiene, enfim, eram ensinos completos para que uma nação fosse espiritual neste mundo seguindo o Deus verdadeiro, à medida que testemunhava às outras nações que esse Deus existia e é superior a outros deuses. Entre as orientações havia a citada no texto inicial, os israelitas podiam ser levados, por motivos como dívidas etc, a se tornarem mão de obra escrava dentro de Israel. Não confunda o conceito de escravatura desses tempos e em Israel com a escravatura de africanos feita por portugueses no Brasil, essa era diferente e bem mais cruel.
      Na escravatura de africanos, que existiu no mundo entre o século quinze e o dezenove, escravos não tinham direitos, eram mercadoria, apesar de mesmo nesse sistema desumano haver diferença de tratamento, não nos enganemos com relação a isso, sempre existiu essa diferença no mundo, em tempos, culturas e locais diferentes, porque sempre houve gente boa e gente má que ainda que dentro de um sistema ruim ou bom podia agir de forma melhor ou pior. O ser humano sempre foi o ser humano, com livre arbítrio para ser justo ou misericordioso, ou egoísta e ganancioso. Mas voltando ao ponto, em Israel o servo tinha alguns direitos, um deles era de ser liberto de suas obrigações como escravo a cada sete anos.
      Essa regra permitia que o filho de Deus em Israel sempre tivesse nova oportunidade para ser livre, ninguém deveria ser escravo para sempre, obviamente que ter servos permitia certas vantagens econômicas aos senhores, vantagens que homens desviados de Deus podiam querer manter, independente se isso representasse não obedecer à Lei de Deus. Era isso que estava acontecendo no tempo do texto e o profeta Jeremias foi usado para dar a exortação registrada no capítulo 34 do livro do profeta à Israel. Quem não liberta se torna escravo, foi isso o que aconteceu a Israel, porque não só o povo, mas rei e líderes, estavam desobedecendo orientações do Senhor, todos caíram como escravos de Nabucodonosor, rei da Babilônia.
      Quem não liberta se torna escravo, de quem? De si mesmo, assim somos presos numa prisão que é o nosso coração cujo carcereiro somos nós mesmos. Essa é a lição que nós como Igreja espiritual pela nova aliança de Jesus podemos tirar usando uma lei da velha aliança de Deus à nação de Israel, não podemos receber o que não damos. Se escravizamos os outros nos tornamos escravos, ou se somos escravos não poderemos libertar os outros. Como podemos encarcerar as pessoas? Principalmente com a negação de perdão e de amor, virtudes intrinsecamente interligadas, só perdoa de fato quem ama e quem ama sempre perdoa, quem perdoa e ama é humilde e tem paz e quem é humilde e tem paz é livre, plenamente liberto. 
       Nos enganamos quando achamos que estamos tendo alguma vantagem por não perdoar alguém, por manter em nossos corações rancor e ódio, não são os odiados que ficam encarcerados, mas quem odeia, e muitos vezes os odiados nem fazem ideia de que são odiados por alguém. Perdoe, e a princípio nem para beneficiar o perdoado, mas a si mesmo, depois, se puder, se for sábio, verbalize isso para ele, mas faça isso para ganhar um amigo não para jogar na cara de alguém que ele te magoou e que você ainda assim é espiritual o bastante para perdoá-lo. Isso é só uma espécie de vingança, não é perdão e muito menos espiritualidade, é auto vitimização, e vítimas equivocadas são seres amarrados e jamais espirituais. 

      “E tomou o Senhor Deus o homem, e o pós no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.” “E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam.” Gênesis 2.15-18 e 25

      Liberdade, uma virtude que Deus sempre quis conceder aos que o buscam, um conceito muitas vezes difícil de entendermos, nós, que podemos nos acostumar com celas de cadeia, acharmos nelas não restrições, mas proteções, de alguma maneira, ainda que nos limite. A característica de adaptabilidade do ser humano, que o permite se adaptar a situações, terrenos, climas, ambientes tanto físicos quanto psicológicos diferentes, e que permitiu que ele conquistasse o planeta e se desenvolvesse, também faz com que ele se vicie em coisas que a princípio podem até ser boas, mas depois, pelo exagero, tornam-se ruins, ou ruins, ou podem ser ruins, mas também pelo exagero podem se tornar falsamente boas.
      Vício é tudo que controla o homem e não é controlado por ele, se for algo para para que ele usufrua com equilíbrio, e se for algo ruim, mas que ele provê uma vez, no máximo, e não prove mais. O homem também pode se adaptar a celas porque elas protegem, é interessante para quem não se importa de não poder fazer isso ou aquilo, ou de não ir a esse ou àquele lugar, contanto que outras pessoas ou coisas se mantenham longe. “Estou preso, mas estou protegido, alimentado, suprido, ainda que com limites e não dependendo de meu trabalho mas do que meu carcereiro me fornece”, esse é o pensamento de quem se acostuma com prisões e abrirem mão de liberdade. 
      Livre arbítrio para fazermos as escolhas morais, espirituais e físicas que acharmos melhor, nisso está a essência da liberdade que Deus dá às suas criaturas, mas é aí onde se origina as prisões mais antigas, no primeiro teste desse livre arbítrio o homem escolheu, não a liberdade em Deus, mas a prisão, na opção que o diabo dava pela serpente no Éden para que ele comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Interessante que a proposta que o diabo para o homem, não foi de prisão, mas de liberdade, pela serpente ele disse que no que Deus queria é que havia restrição, já no comer do fruto haveria conhecimento ilimitado, liberdade para saber. 
      Outro ponto é que a tentação original e principal dos espíritos rebeldes das trevas não foi para que o homem tivesse mais prazeres carnais ou riquezas materiais, mas conhecimento, talvez porque aquele homem original, ainda não corrompido pelo pecado, em sua maior pureza e qualidade de comunhão com Deus, não seria tentando por valores menores como os físicos ou materiais, mas somente por algo superior como conhecimento, e mais que científico, moral e espiritual. Um longo caminho foi percorrido pelo ser humano em sua trajetória no planeta, à medida que evoluiu científica, social e psicologicamente, suas noções de espiritualidade caíram e subiram.
      Da mesma maneira o conceito de liberdade se modificou, piorou e tornou a melhorar, vemos isso na transformação da prática de escravatura, iniciando em algo explícito e violento que via o ser humano como coisa qualquer, até chegar às existências como escravos que tantos têm até hoje como empregados em empresas, tendo que usar doze horas por dia entre trabalho e transporte para poderem sobreviver. Escravos no corpo, na mente, na religião, na cultura, qual seria o pior tipo? Mas é preciso admitir que vivemos um momento na humanidade de clamor intenso por liberdade, mas seria uma liberdade que de fato conduz à mais alta espiritualidade ou apenas libertinagem para usufruir prazeres no plano físico? 
      O texto de Gênesis 2 nos diz qual a visão bíblica daquilo que Deus tinha para o homem originalmente, antes que ele pecasse. A vida parece que seria simples, lavrar a terra e gerar filhos, lembrando que inicialmente o homem era vegetariano, não comia carne, dessa forma bastaria ter os frutos da agricultura para sobreviver. Além disso, antes do pecado, a terra não havia sido amaldiçoada, nem o homem, nem a mulher, assim o trabalho de sobreviver e gerar filhos não seria algo penoso. Essa era a proposta de vida sem pecado, nisso o homem poderia usufruir de liberdade completa assim como da mais alta espiritualidade, Deus falava diretamente com o homem, seus “véus” ou metáforas religiosas. 
      Isso era pouco, menor, mas não é exatamente isso que muitos desejam como a melhor vida hoje? Hábitos simples, comida natural, com tempo para arte e espiritualidade? Existiria avanço científico e tecnológico? Sim, mas num passo diferente, não pela vaidade dos homens, não por intenções  beligerantes das nações, não para que poucos dominassem sobre muitos, mas simplesmente para manter a existência neste mundo, sem que a prioridade espiritual fosse relegada a segundo plano. O ser humano seria livre para viver a mais excelente das espiritualidade, com conhecimento do mundo espiritual e total comunhão com ele, que planeta teríamos nas mãos, que vida, uma longa e próspera vida ainda na carne. 

      “Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao Senhor? Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne? Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda.” Isaías 58.5-8

      A verdade é que o ser humano tem perdido a vergonha na cara, não sente mais culpa, querendo liberdade perdeu a sensibilidade, e mais que para conviver de maneira elegante consigo mesmo e com as outras pessoas, mas para perceber o Santo Espírito de Deus e obedecê-lo. A liberdade melhor e mais alta que temos deve nos levar ao Altíssimo, antes de tudo, não a uma vida sexual mais satisfatória, para ser bem claro, ainda que a espiritualidade conquistada com essa liberdade deva repercutir como prática de vida justa e de respeito a todos no plano físico. É exatamente sobre isso que fala o texto inicial de Isaías 58, passagem que refere-se a uma das bandeiras principais do “Como o ar que respiro”. 
      “Seria este o jejum que eu escolheria?”, é a pergunta que Deus faz, explicando, Deus se importa mesmo com religião, com ritos, com tradições, com nomes, com templos, resumindo, com aparência externa? Do que adianta tudo isso se “as ligaduras da impiedade não são soltas, se as ataduras do jugo não são desfeitas, se os oprimidos não são libertos, se o jugo não é despedaçado, se o pão não é repartido com o faminto, se os pobres abandonados não são recolhidos em casa e se o nu é desprezado”? Esse texto é uma exaltação à liberdade, de pessoas como cidadãs em uma sociedade, à medida que outros cidadãos não as escravizam, antes permitem que todos tenham direitos iguais. 
      A religião dada por Deus à Israel tinha objetivos práticos, se preocupava com justiça e igualdade social, para que todos tivessem liberdade neste mundo para serem felizes e prósperos. Isso nos faz pensar profundamente no que chamamos hoje de religião, de espiritualidade, o que de fato agrada a Deus e ele deseja de todos nós, isso nos leva a uma questão: o que é fé sem obras? O que é espiritualidade se não tiver efeitos no plano físico? Se fôssemos espirituais não estaríamos neste mundo, o plano espiritual com Deus se conquista no plano físico vivendo corretamente com seres físicos, com necessidades materiais, assim não podemos ser espirituais sem darmos às pessoas liberdade, mesmo para não serem espirituais. 
      “Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente; E se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia. E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; e serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca faltam.” (Isaías 58.9-11), eis a promessa de Deus aos obedientes, existem bençãos melhores que essas? Elas são efeitos naturais de quem é livre e deixa ser livre em Deus. Escolha ser livre e livre para viver em Deus. 
      Concluindo esta reflexão sobre espiritualidade e liberdade, preciso dar uma orientação. De todas as liberdades, a melhor é a que temos através do Espírito Santo em oração, e muitos não usufruem dessa liberdade, por isso tanta depressão mesmo no meio cristão, por isso tantos bons pastores se suicidam, por tentarem viver um cristianismo meramente mental. Busque a Deus, principalmente de forma privativa, e tenha experiências profundas no Espírito Santo, com os sentidos espirituais, olhos e ouvidos, abertos para ouvir e ver coisas maravilhosas que Deus tem para mostrar a todos que o buscam com intimidade. Só essa experiência pode nos alimentar e nos livrar da morte, “ouvi-me e vivei, diz o Senhor, sois livres para isso”. 

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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