quarta-feira, novembro 25, 2020

56. Espíritos

Espiritualidade Cristã (parte 56/64)

      “E o Espírito do Senhor se retirou de Saul, e atormentava-o um espírito mau da parte do Senhor.I Samuel 16.14

      Antes de iniciarmos uma reflexão sobre espíritos, algo importante para se entender dentro do tema Espiritualidade Cristã, façamos um rápido resumo sobre a história de Saul. Israel queria um rei, mas o profeta Samuel disse que isso não era a vontade de Deus, na insistência do povo, Deus deu a Israel um rei, conforme o coração do povo. Saul era um homem de boa aparência, tinha suas qualidades, mas desobedeceu o Senhor, Deus mandou que ele destruísse totalmente um inimigo e não ficasse com os despojos, mas ele não seguiu a ordem, assim perdeu direito ao trono. Deus, então, levanta Davi como novo rei, um homem de aparência mais simples, mas de muitos talentos, com um coração adorador e com uma unção diferenciada, é nesse momento da história que o versículo inicial é citado. Entre o momento que Saul perdeu a legitimidade como rei até o momento que Davi assumiu como o novo rei, um tempo se passa, e é nele que podemos estudar todo o processo de degradação do homem Saul. 
      O ponto desta reflexão são os usos da palavra espírito, citados no versículo inicial (se possível leia todo o capítulo 16 de I Samuel): um se refere ao Espírito do próprio Deus, o outro é um ser espiritual rebelde, do mal, das trevas, mas conforme o texto, vindo da parte do Senhor. Se as pessoas entendessem a verdade ensinada nesse texto, tanto cristãs como não cristãs, perceberiam como interpretam erradamente o mundo espiritual, Deus e o diabo, luz e trevas, bem e mal. O plano espiritual não é um campo de batalha, com duas forças iguais e antagônicas, numa guerra eterna, que influenciam o plano físico cada uma à sua maneira. Deus é soberano, acima de tudo e todos, presente em todos os lugares, com autoridade sobre tudo e todos, sempre! O diabos, os anjos caídos, os demônios, ou seres espirituais rebeldes que um dia tiveram oportunidade de livre arbítrio e que escolheram não estar em comunhão com Deus, nos melhores e mais elevados lugares espirituais de luz, estão absolutamente subordinados a Deus. 
      Qual é então a diferença entre esses diabos e os outros seres espirituais, os de luz e do bem, que chamamos de anjos, arcanjos, querubins, serafins? Os seres da luz existem em perfeita harmonia com o Deus Altíssimo, são responsáveis por diversas tarefas, mas sempre, conforme entendemos pela teologia cristã tradicional, para abençoar os homens. Os seres das trevas podem “pensar” e desejar o mal, contudo, só podem fazer o mal em primeiro lugar sob autorização de Deus, e em segundo lugar através de obras, que nós homens fazemos, para as quais damos a eles o crédito. Por causa de suas índoles, diabos e demônios são responsáveis por testar e atormentar os homens, fazem o serviço “sujo”, digamos assim, mas ainda assim sob ordem de Deus. O diabo não tem corpo físico, dessa forma não pode andar pelo mundo, mas ele pode conversar conosco e tentar nos convencer a fazer o mal no mundo e aos outros homens, assim podemos ser ferramentas do diabo no plano físico. 
      Por que Saul era atormentado por um mau espírito? Não penso que a resposta para isso seja simples, a princípio ele negou a comunhão do Espírito de Deus, o que o deixou frágil para um ataque contrário. Mas não foi só o caso dele ter quebrado uma aliança com Deus, e então, em represália, Deus ter enviado um espírito mau para lhe atormentar. Toda a situação de desobediência de Saul destruiu sua sanidade, suas referências de certo e errado, de amigo e de inimigo, a prova disso é que mesmo Davi, que a princípio era alguém que ele gostava (I Samuel 16.22), depois tornou-se, pelo menos na cabeça de Saul, seu inimigo. Davi teve temor a Deus e respeitou Saul até sua morte. Na vida de Davi podemos ver um outro aspecto sobre espírito, Davi tinha uma unção espiritual especial, e era isso que conferia às suas expressões artísticas, seja no tocar do instrumento ou na composição de salmos, que já eram frutos de um talento humano especial, um poder curativo. 
      Enquanto Saul teve sua alma ferida por causa de seu orgulho espiritual, Davi teve a alma ungida, um experimentou enfermidade, o outro, arte. Incrível como Deus reuniu numa mesma história duas pessoas tão contrárias, e ambos com características semelhantes, dentre elas a espiritualidade. Sensibilidade espiritual é uma faca de dois gumes, pode tanto discernir a voz de Deus, quanto outras vozes, sejam de ecos negativos da própria mente ou de espíritos maus. Isso nos ensina que pessoas com um dom espiritual, com uma chamada de Deus especial, se não forem obedientes ao Senhor podem provar uma força contrária e semelhante, que ao invés de conferir unção de Deus, entrega tormentos e mesmo doenças, principalmente mentais. A música de Davi era terapêutica para Saul, e essa ironia, onde alguém acha justamente no principal oponente o remédio para seu tormento, é só parte de uma história bíblica complexa, e mais sofisticada que muito romance literário. 
      Mas podemos entender que Saul ficou psicótico, o que começou como arrogância, como uma má administração dos direitos reais que tinha, acabou por levá-lo a desobedecer a Deus, a perder direitos e finalmente a transtornos mentais. Algo que devemos aprender na história de Saul é que o entendimento das passagens bíblicas pode não ser algo fácil, simples e rápido. Sim, podemos fazer uma interpretação mais simplificada, numa primeira leitura, que já nos ensina algo. Deus em seu grande amor pelos homens permite ensinos mais simples para aqueles que por um motivo ou outro não se aprofundam na Bíblia, mas se estudarmos um pouco mais poderemos ver além da superfície. Entender, no texto de I Samuel 16, que Deus simplesmente envia um mal para atormentar alguém não penso que seja o mais correto, o livre arbítrio humano coloca a misericórdia do Senhor no limite, assim certas portas só são abertas quando o homem insiste e muito em fazer algo errado. 
      O mal maior, a vergonha maior, a queda no buraco mais fundo, nunca ocorre na vida de alguém de um dia para o outro, e isso é devido, repito, principalmente ao amor e à misericórdia de Deus, que tenta de toda maneira recuperar o homem, salvá-lo, principalmente alguém como Saul que recebeu do Senhor uma honra tão grande. Contudo, o exemplo de Saul é pra lá de emblemático, como alguém que começou tão alto caiu tão baixo? O final da vida de Saul foi humilhante (I Samuel 31.4-6), se suicidou, talvez não exista fim mais covarde e incrédulo para o ser humano. O certo é que ter a instalação de um “mal espírito”, seja isso algo espiritual ou psiquiátrico, quando não se tem um problema congênito ou efeito de uma longa vida de erros, antes, um bom berço e boas oportunidades na vida, é algo sério, uma situação quase que irremediável de perdição ainda no mundo, tenhamos a humildade para nos acertar antes que isso possa ocorrer.
      A história de Saul é de fato muita rica para aprendemos sobre “espíritos”, além das três abordagens que fizemos acima, o Espírito de Deus, um espírito mau sobre Saul e o Espírito Santo sobre Davi, tem ainda a consulta de Saul à profetiza de En-Dor (I Samuel 28). Refletimos nesse tema no estudo “Reavaliemos nossas crenças”, assim não vou me aprofundar nele desta vez, mas o acontecimento só reforça a ideia da relevância que Saul dava para a espiritualidade, e ainda na desobediência a Deus e após a morte do homem que era boca de Deus em sua vida, o profeta Samuel, ele tentou esse meio para achar conhecimento, ainda que para acessar fins polêmicos dentro da teologia cristã. Interessante que o mesmo homem que consultou uma médium espírita teve o tormento de um espírito mau, isso pode revelar uma porta que o próprio Saul deu legalidade para ser aberta em sua vida, que quando mexeu com coisas proibidas pagou um preço caro.

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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