segunda-feira, maio 18, 2020

Reavaliemos Israel (18/30)

18. Israel

      A Bíblia pode nos passar vários tipos de ensino, os principais são três, os religiosos, os morais e os históricos. Os ensinos históricos precisam da homologação científica, não devem ser entendidos ao pé da letra, já que muitas histórias bíblicas sobre muitos personagens que chegaram ao conhecimento dos escritores bíblicos, principalmente no antigo testamento, foram através de tradição oral. Tradição oral é o costume que se tinha, principalmente antes da escrita existir ou ser acessível a todos, de uma geração contar para outra geração um acontecimento importante de um povo. A história original, ainda que tenha origem na realidade, naturalmente sofre alterações, adições e subtrações, à medida que a informação é verbalizada, assim a verdade inicial nunca saberemos de fato (pensamos mais sobre isso na reflexão “Mitos” desse estudo, “Reavaliemos nossas crenças”). A arqueologia e outras ciências podem auxiliar estudantes bíblicos sérios a chegarem mais perto da verdade sobre personagens que aprendemos a amar e com os quais tanto aprendemos. 
      Os ensinos morais são os que mais buscamos na Bíblia, onde o senso comum estabelece orientações para o dia a dia da vida, assim ainda que cultura e sociedade bíblicas sejam diferentes, tentamos retirar das histórias da Bíblia lições e referências de certo e errado, de bom e mau, de justiça, de amor, de misericórdia etc (neste link uma reflexão a respeito disso, feita aqui no blog). Contudo, a leitura desses ensinos desconsiderando contextos históricos e sociais, pode também conduzir a entendimentos equivocados sobre a vontade de Deus para o homem hoje (um desses equívocos ocorre, por exemplo, na área da sexualidade). Nos ensinos religiosos da Bíblia, todavia, é onde a grande maioria das igrejas evangélicas atuais mais se engana, nesta reflexão, dividida em três partes, pensaremos sobre equívocos que podem ser cometidos quando tentando transferir conceitos da religião de Israel do antigo testamento para a religião cristã do novo testamento. Na primeira parte, que segue, pensemos sobre Israel e a missão que Deus deu a ela como nação.

      “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” 
Gênesis 12.1-3

      “E disse-lhe Deus: O teu nome é Jacó; não te chamarás mais Jacó, mas Israel será o teu nome. E chamou-lhe Israel. Disse-lhe mais Deus: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; frutifica e multiplica-te; uma nação, sim, uma multidão de nações sairá de ti, e reis procederão dos teus lombos; E te darei a ti a terra que tenho dado a Abraão e a Isaque, e à tua descendência depois de ti darei a terra.” 
Gênesis 35.10-12

      “E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar ao Senhor vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, Então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a seródia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite. E darei erva no teu campo aos teus animais, e comerás, e fartar-te-ás.”
      “Porque se diligentemente guardardes todos estes mandamentos, que vos ordeno para os guardardes, amando ao Senhor vosso Deus, andando em todos os seus caminhos, e a ele vos achegardes, Também o Senhor, de diante de vós, lançará fora todas estas nações, e possuireis nações maiores e mais poderosas do que vós. Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso; desde o deserto, e desde o Líbano, desde o rio, o rio Eufrates, até ao mar ocidental, será o vosso termo. Ninguém resistirá diante de vós; o Senhor vosso Deus porá sobre toda a terra, que pisardes, o vosso terror e o temor de vós, como já vos tem dito.” 
Deuteronômio 11.13-15, 22-25

      “Vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor, e meu servo, a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais, e entendais que eu sou o mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá. Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há Salvador. Eu anunciei, e eu salvei, e eu o fiz ouvir, e deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus.” 
Isaías 43.10-12

      Deus sempre teve um propósito, após a queda do homem no jardim do Éden, salvar a humanidade, já que sobre a Terra um lei impera desde que Adão e Eva comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele. Mas se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu, e guardar todos os meus estatutos, e proceder com retidão e justiça, certamente viverá; não morrerá. De todas as transgressões que cometeu não haverá lembrança contra ele; pela justiça que praticou viverá.” (Ezequiel 18.20-22). Contudo, nos primeiros tempos, Deus escolheu um homem, Abraão, uma família, a de Jacó, uma nação, Israel, para estabelecer uma primeira aliança com a humanidade, para mostrar ao mundo sua salvação. Como essa salvação era obtida? Obedecendo as leis mosaicas e fazendo sacrifícios no templo de Jerusalém. Assim, três são os conceitos fundamentais da religião primeira que religava o homem a Deus: a Lei, que são as regras morais e sociais, o altar no Templo de Jerusalém, representando a presença de Deus na Terra, e sistema de ofertas e sacrifícios, o meio de perdão e manutenção da comunhão entre o Senhor e Israel. 
      Podemos, todavia, fazer uma interpretação mais extrema da narrativa do antigo testamento, que Deus escolheu, desconsiderando o restante da humanidade, os descendentes de Abraão, de Isaque e de Jacó. Por que esses agradavam a ele e o resto do mundo não? Não sei se só eles agradavam a Deus, não sei se em toda a Terra, não havia mais nenhum outro homem, família ou nação, que buscasse, adorasse e seguisse ao Deus verdadeiro e não aos falso deuses. Seja como for, Israel foi um povo especial no mundo (e é até hoje), principalmente antes de Jesus ter executado sua missão messiânica. Bem, de uma nação foi escolhido uma tribo, e não era a de Levi (a tribo responsável pela religião israelita, isso é algo bem significativo), mas a de Judá, dessa tribo foi escolhido um homem, Davi, um rei e líder político, e desse rei um descendente nasceu, Jesus, que seria nele mesmo a segunda, final e completa religião de Deus para religar a humanidade ao seu criador, numa nova aliança. “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor.” (Romanos 6.23), em Cristo seu objetivo de salvação foi alcançado, não temporariamente, e não de uma maneira ligada a uma nação do mundo, mas eternamente estabelecendo um povo espiritual, a igreja.
      Com Israel e sua religião Deus tinha o mesmo propósito, mas com uma ferramenta diferente, Deus tinha um povo, mas no mundo e definido geograficamente. Interessante notarmos que no antigo testamento pouco se fala de vida pós-morte, de promessas para uma eternidade com Deus, de céu e de inferno. Para aquele tempo Deus era visto como uma divindade que fazia daqueles que o obedeciam vencedores neste mundo, como potências militares, políticas e econômicas (Deuteronômio 11). Israel obedecia a Deus para que através dele tivesse vitória sobre as outras nações, e essas sempre eram apresentadas como nações que não serviam ao Deus verdadeiro de Israel, mas a outros deuses, falsos deuses. Pelo antigo testamento podemos entender que só Israel no planeta Terra conhecia e adorava o Deus Jeová, nenhuma outra nação no mundo fazia isso. Mas será que era nenhuma mesmo? Essa é uma conclusão bem extremista, mas é o que os registros de Moisés, Esdras, juízes e profetas não levam a entender através do antigo testamento, nós lemos e estudamos isso, mas nunca nos atentamos de como isso é extremo...
      Outra coisa que também não vemos no antigo testamento, de maneira geral (salvo algumas exceções), é Israel se preocupando com a salvação dos outros povos, esses que gostam de comparar a igreja cristã com a nação israelita precisam se atentar a isso. Israel não tinha, pelo que lemos na Bíblia, nenhuma intenção “evangelista” no mundo de seu tempo, não lhes pesava o fato de egípcios, filisteus ou babilônios não serem abençoados por Deus, esses eram vistos como inimigos a serem vencidos ou mantidos fora de suas fronteiras, simples assim. Nessa questão muitos cristãos erram por transportarem o mesmo conceito para a igreja, não no sentido de não serem evangelizadores, mas de verem aqueles que lhes fazem oposição como inimigos, que devem ser vencidos. Assim, ao invés de perdoarem e no pior das situações, quando não existe jeito de viver junto, só se afastarem, pedem vingança. Uma igreja que se acha Israel não ama, não age com misericórdia, mas clama a Deus para que se vingue por ela, meus queridos e minhas queridas, isso definitivamente não é o evangelho de Jesus, não é a verdadeira igreja de Cristo (Mateus 5.43-44).
      A religião de Israel era aberta a estrangeiros, um gentio podia se converter ao judaísmo, são os prosélitos. Um bom exemplo disso é o do profeta Jonas, enviado a Nínive para falar sobre Deus, “E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior até ao menor... e Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez” (Jonas 3.5, 10). Mas esses deveriam seguir as regras, começando pela circuncisão, “porém se algum estrangeiro se hospedar contigo e quiser celebrar a páscoa ao Senhor, seja-lhe circuncidado todo o homem, e então chegará a celebrá-la, e será como o natural da terra; mas nenhum incircunciso comerá dela. Uma mesma lei haja para o natural e para o estrangeiro que peregrinar entre vós.” (Êxodo 12.48-49). Contudo, as profecias messiânicas, já revelavam uma salvação para todos os povos no futuro, quando não haveria diferenciação entre judeu e gentio, em Cristo todos têm as mesmas oportunidades espirituais e os mesmos direitos na eternidade (leia com calma Isaías 56, fala sobre a salvação de Deus para o estrangeiro e para o eunuco). 
      Mas podemos entender que não havia outra maneira de Deus trabalhar naquele mundo, que a humanidade naquele momento era assim mesmo, a grande maioria adorava a falsos deuses, que ela não tinha maturidade intelectual, emocional, social, cultural, espiritual, para receber a nova aliança de Cristo. Foi necessário uma primeira aliança, metafórica, temporária, para ensinar ao homem conceitos básicos de religião, preparando uma humanidade ainda infantil para que pudesse no futuro entender a aliança de fato permanente, não simbólica, mas real. É imprescindível que entendamos isso, para não fazermos simplesmente transferências diretas entre o que era Israel no antigo testamento e a igreja da nova aliança. Não podemos de forma alguma interpretar direitos e objetivos que uma nação política desse mundo tinha, através do Deus que eles conheciam como Jeová, como sendo os mesmos, com as mesmas referências, de uma igreja espiritual, eterna, formada por gente de todas as nações e tempos, incluindo o Israel do velho testamento. Fazer isso seria tentar escrever um romance adulto e sofisticado com o conhecimento de linguagem e ortografia de uma criança de sete anos de idade. A ferramenta  Israel de Deus, que ele usou para o apresentar ao mundo, foi só uma simbologia simplista da igreja de Cristo. 
      Esse erro muitas igrejas evangélicas cometem hoje em dia, obviamente usando só as características da nação Israel que lhes são convenientes, como as riquezas materiais de patriarcas e reis hebraicos. “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia. Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma”, sim, nós, igreja de Cristo, somos nação santa de Deus, mas com uma missão superior comparada com a de Israel. É uma missão espiritual para salvar homens para a eternidade, o final do texto de I Pedro 2.9-12 ensina isso, “peço-vos como a peregrinos e forasteiros”, em Jesus não somos mais desse mundo, nosso reino não é mais aqui, nossos interesses e bens devem ser os espirituais, não os materiais. Dessa forma, usar a prosperidade financeira de homens considerados de Deus do antigo testamento como referência para sermos considerados povo de Deus do novo testamento é um erro, para não dizer uma heresia. “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui.” (João 8.36).

Esta é a 18ª de 30 partes do estudo
“Reavaliemos nossas crenças”,
se possível leia todo o estudo
para ter o entendimento correto
do “Como o ar que respiro”
sobre o assunto, obrigado.

José Osório de Souza, 13/04/2020

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