sexta-feira, outubro 02, 2020

2. Para não pecar

Espiritualidade Cristã (parte 2/64)

      “Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” 
João 3.17-18
      “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de iniqüidade.“ 
Mateus 23.25

      “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
  Mateus 11.27-28

      Não podemos entrar neste estudo sobre espiritualidade sem pensarmos sobre pecado. Se queremos uma resposta rápida para por que grande parte das pessoas quer ser espiritual é: para não pecar. De maneira geral, na maioria das religiões, espiritualidade é buscada como caminho oposto ao pecado, representando virtudes que vencem as fraquezas da carne. Eu disse na maioria das religiões porque é fato que existem cultos para contato com o mundo espiritual onde santidade não é relevância, nesses faz-se uso de práticas nada limpas, como prostituição, orgias, sacrifícios, para “energizar” seus rituais mágicos (se bem que tecnicamente o termo “religare” nem se aplica a essas religiões). 
      Com certeza não são para terem acesso a Deus e muitos menos a seres espirituais, ainda que não por Cristo, que de alguma maneira prezem por limpeza moral e espiritual, mas ainda que a mídia em geral negue, existem cultos “satanizados”, que acham melhores condições de espiritualidade na sujeira e no mal. No senso comum, contudo, a definição para pecado é isso, cair nas fraquezas da carne, assim muitas religiosidades e espiritualidades estão ligadas à vitória sobre os apetites carnais. Como cristãos sabemos que pecado é mais que isso, leva a um desvio do alvo não só o corpo físico, mas coloca todo o nosso ser, corpo, alma e espírito, em desacordo com o centro da vontade de Deus.
      No texto inicial de João é relatada a trágica condição do homem natural, que antecede ao pecado em si, pior que errar o alvo é já estar passivamente condenado, simplesmente por não se posicionar, “quem não crê já está condenado“. No texto de Mateus está o exemplo dos fariseus, que erraram o alvo exercendo religião, eram ativos na busca do divino, mas por motivos errados, para pousarem como melhores diante dos homens e os dominarem, não para agradarem a Deus e conhecê-lo de verdade. Seja como for, o ser humano não foi criado para o pecado, ainda que tenha livre arbítrio para escolhê-lo, por isso é natural que pecar traga desconforto, culpa que precisa de perdão para ser anulada. 
      Pecado é algo que macula todo o ser: machuca o corpo, suja a alma e esfria o espírito, pensaremos mais a respeito na próxima reflexão. A definição clássica de “pecado” é errar o alvo, assim implica em haver uma iniciativa de seguir um percurso, no uso de um bom esforço, mas que não cumpre o melhor trajeto, ainda que seja o objetivo inicial desejado de quem se esforçou. Isso nos leva a pensar não nos vícios da carne, na busca desenfreada de satisfação dos prazeres do corpo, esses nem seriam pecado como alvo não atingido, mas como algo que não teve nenhum objetivo espiritual, que nem teve início de trajetória. Já é uma condição passiva de perdição, não a causa, mas o efeito final do pecado primal.
      O que chamamos de “pecados da carne” não é o pecado principal, são os efeitos desse, o pecado principal é a tentativa de se viver sem Deus, que erra o alvo, e que tem como consequência a queda nos apetites carnais, na fraqueza moral e espiritual, na morte do espírito. Adão e Eva não pecaram porque quiseram fazer coisas moralmente reprováveis, serem pessoas más e egoístas, adulterarem, não, pecaram porque quiserem ser iguais a Deus. Foi essa a tentação principal que a serpente usou com eficiência (veremos a respeito mais à frente nas reflexões “Três testes para a espiritualidade“), e como consequência eles perderem o rumo de todo o resto de suas existências.
      A prova disso é o fratricídio ocorrido na próxima geração depois deles, que pecado terrível, entre irmãos. Isso nos faz pensar nas religiões, elas, sim, são flechas lançadas para o divino, mas que muitas vezes não chegam a Deus, portanto erram o alvo, assim são pecados no sentido exato da palavra, mais que os “pecados da carne”, são os pecados causais que geram todos os outros. O pecado mais puro tem lugar no espírito, não na carne, vejam os seres espirituais rebeldes, diabos e demônios, eles não têm corpo físico, mas são a expressão mais pura e poderosa do pecado, justamente porque tentam atingir a espiritualidade mais alta sem Deus, ainda que não tenham corpos físicos para caírem nos apetites carnais.  
      Vivemos um momento na história da humanidade onde, talvez como nunca antes, se negue o pecado, e principalmente, a consequência dele, e quem nega a doença, nega o remédio. Na agenda da estratégia final do anti-cristianismo esse é um ponto importante, ao mesmo tempo que agrada ao homem, nega a Jesus, permite que o ser humano faça o que deseja, com quem deseja, onde e quando deseja, sem que tenha que se sentir culpado por isso, em pecado. Se não há pecado, não existe condenação e consequentemente não se precisa de salvação, assim anula-se o cristianismo, nega-se Cristo, desvia o homem definitivamente de Deus, mesmo que tal agenda também pregue coisas boas como tolerância e igualdade.
      O pecado precisa ser repensado, não como a culpa que o catolicismo jogou sobre o homem por séculos, para dominar sobre ele, tradição ruim que o protestantismo dá seguimento, mas como desvio do Deus Altíssimo, o único que pode dar ao homem espiritualidade, o objetivo final de todo ser no universo. Assim, podemos chegar a uma definição final para pecado: é desvio do alvo? Sim, mas não necessariamente fazendo coisas ruins ou erradas, mas simplesmente não caminhando retamente para Deus, pecado é tudo que separa o homem de Deus. Por isso a prioridade do anti-cristianismo final não é pregar o mal, se isso foi em outros tempos, agora mudou, ele prega tudo que é bom e para todos, em todas as áreas.
      Contudo, sem ter Deus como origem e fim, e tendo Jesus somente como mais um homem, bom, sábio, espiritual, mas não um salvador, a solução para o pecado original do Éden é esquecida. O próprio termo anti-cristo já diz tudo, não é contra o amor, contra a justiça, contra a paz, mas contra Cristo, isso basta, e é isso que muitos que insistem em caminhar sem Deus não enxergam, cegos que estão em seus corações orgulhosos que acreditam que podem ser deuses e não adoradores do verdadeiro Deus. Não digo que seja fácil atualmente discernir as coisas, na verdade é difícil e vai ficar cada vez mais difícil, já que o mal prega o bem e aqueles que se dizem do lado do bem cometem equívocos. 
      Por isso é de suma importância que reavaliemos nossas crenças e entendamos o que é de fato espiritualidade, Jesus sempre oferecerá algo superior e exclusivo, os que forem a ele acharão vida que não existe em nenhum outro, só Jesus recebeu de Deus essa vida (Mateus 11.27-28). Mas é preciso que Jesus seja de fato pregado, não prosperidade material, não fé na fé e muito menos um “Deus” fechado na “caixinha” das tradições e do cânone bíblico sem a leitura do Espírito Santo, que só incentiva preconceitos e intolerâncias. Espero que o momento atual, que deu espaço a falsos cristãos principalmente nas lideranças políticas, abra os olhos daqueles que já creram no evangelho e que têm a missão de pregá-lo. 

      Por que quero ser espiritual? Para vencer o pecado, com certeza esse já é um bom motivo, depois podemos ser espirituais para pedirmos a Deus proteção e suprimentos e finalmente conhecimento. Mas por que o pecado é tão ruim, o que ele faz em nós? Ele desarruma todo o nosso ser, machuca nosso corpo, suja nossa alma e esfria nosso espírito, vamos refletir nesses três pontos. 

      “Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe. Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhecer a sabedoria. Purifica-me com hissope, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste. Esconde a tua face dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniquidades.” Salmos 51.5-9

      O pecado machuca o corpo, porque insiste em querer tirar da carne algo que a carne não pode dar, prazer que permanece, daí nascem os vícios. Quantas doenças, físicas e psicológicas, vêm dos vícios da carne, da obsessão por sexo, por bebida, por comida, pelas sensações que elementos químicos dão a carne de euforia, de relaxamento, de delírios. Isso machuca a mente, os pulmões, os órgãos genitais, isso inviabiliza as funções normais dessas partes do corpo, não, um viciado em sexo não dará maior prazer ao seu parceiro, mas menor, e um prazer artificial, dependente de recursos não naturais, de objetos e fantasias, que transformam algo simples e bonito em dor e morte.
      O pecado suja a alma, nosso coração e nossa mente, cria caminhos desnecessários para se obter satisfação, que depois serão difíceis de serem deixados. Uma alma suja vê sujeira em tudo e não se sente mal, com culpa, quando suja inocentes e puros só para conseguir seu prazer egoísta, por isso devassos e depravados, que já não têm identidade, ganham a identidade do pecado que cometem. Um adúltero não é mais um homem ou uma mulher, mas o próprio adultério, assim como o viciado em cocaína, não é mais o ser humano, mas a droga, que anda e vive só para se mantê-la viva. Alma em pecado é cega e surda, a sujeira do pecado a impede de ver e ouvir moralmente.
      A sujeira do pecado espalha no ambiente um “cheiro” desagradável, que nem precisa ser necessariamente físico, um adúltero pode estar sempre banhado e perfumado, mas exala um “cheiro” moral horrível de pecado, que traz repugnância aos que têm sensibilidade de alma, aqueles que não são perfeitos, mas que buscam dia a dia o perdão purificador. Muitos de nós muitas vezes sentimos esse “cheiro” de alma suja, que repito, pode não ter nada a ver com o corpo, de alguém que pode estar usando as roupas caras e perfumes raros, mas pelo Espírito Santo, ainda que não conheçamos tais pessoas intimamente, percebemos que elas têm algo de errado, o pecado, e muitas vezes bem escondido. 
      Diferentemente do corpo e da alma, que podem ser “danificados” pelo pecado, o espírito, sopro de Deus em todos os seres criados à imagem dele, não pode, mas ainda assim é afetado pelo pecado, ainda que não possa ser morto ou sujado. Ele pode estar “mortificado”, e naqueles que têm o Espírito Santo, se o ser está em pecado, ainda que por pouco tempo sem se apossar do perdão de Cristo, pode ser “esfriado”. E como o nosso espírito pode se esfriar, e infelizmente muitos cristãos até se acostumam com isso, isso acontece quando o Espírito Santo de alguma forma é negado, negado não ferido, não vou usar o termo machucado pois o Espírito de Deus não pode ser machucado, mas ele pode se calar em nós. 
      Deus cala seu Espírito em nós para nos disciplinar, faz isso por um tempo, e não existe nada pior para um filho de Deus que estar nessa disciplina. Se a pessoa é de fato convertida se sentirá num deserto sem água pura e fresca para saciar sua sede, sofrerá mais que o não convertido que ainda não sabe da satisfação espiritual que a água viva do Espírito dá. Nós precisamos aprender a discernir essa disciplina, ver quando ela está existindo, aceitar que está ocorrendo porque erramos, para então sabermos onde erramos, buscarmos arrependimento, posse de perdão e então termos um desejo sincero de não errarmos mais. A disciplina de Deus, apesar de doer, conduz à vida, não é uma condenação para a morte.
      Todo espírito, de todos os seres humanos, convertidos ou não a Cristo, no plano físico ou no espiritual, está vivo, ele é eterno, mas só pode ser “vivificado” se ganhar o selo do Espírito Santo, que permite que o ser tenha comunhão com o Altíssimo, o que nos confere vida é estarmos ligados a Deus. Mesmo que conheçamos sobre espiritualidade, que saibamos profundamente os mistérios dos principados e potestades, que tenhamos comunhão com o mundo espiritual, com entidades, com espíritos, se não tivermos sido selados com o Espírito Santo, após um novo nascimento em Cristo, nossos espíritos estarão inabilitados para terem plena comunhão com Deus e direito às bênçãos que só ele pode dar. 
      A melhor eternidade de Deus é um dos direitos exclusivos do espiritualmente vivificado por Deus. O que chamamos de céu, o “ceio de Abraão”, para onde vão os salvos, é a melhor eternidade de Deus, já o que chamamos de inferno, para onde vão os diabos, seus demônios e os seres humanos não salvos, é a pior eternidade. Bem, ambas são de Deus, Deus é dono de tudo e tudo fez, mas alguns “lugares” fez para os humildes que se aproximaram dele e conheceram a salvação única e suficiente de Cristo, outros “lugares” o mesmo Deus fez para os condenados, inicialmente para os seres espirituais das trevas, mas depois para os seres humanos que levarem seus infernos pessoais do plano físico ao espiritual.
      Precisamos entender que o espírito é nossa parte mais importante, é a essência do nosso ser, no plano espiritual seremos o espírito com um corpo transformado. É o nosso espírito que leva nossa identidade eterna, que vai além de tudo que fomos e fizemos em nossa existência passageira neste mundo. Assim, o pior mal que o pecado faz, quando machuca o corpo e suja a alma, é esfriar o espírito, impedindo-o de ter plena comunhão com Deus. Todavia, ainda que nos apossemos do perdão espiritual, nossos corpos podem se machucar de forma irremediável, isso poderemos sentir só na velhice, justamente quando o que mais vamos querer é saúde física para nos focarmos em Deus, assim, cuidemos melhor de nossos corpos. 
      A sujeira da alma, por sua vez, pode levar anos para desgrudar de nós, lembranças e sentimentos ruins, culpas e arrependimentos, devaneios imundos, que podem voltar e nos tirar do foco maior, isso se já não tiverem instalado em nossas mentes doenças psicológicas sérias. Deus nos perdoa, mas nós mesmos e os homens, não, não facilmente. A sujeira da alma talvez seja ainda pior que os machucados do corpo, pois pode se esconder dentro de nós, usar mecanismos complicados que nos enganam e até nos convencem de que ela nunca existiu. Dessa forma, precisamos ser sábios e nos livrarmos do pecado o quanto antes, antes que firam nossos corpos frágeis, e sujem nossas almas, mais frágeis ainda, de maneira permanente.
      O texto inicial é uma oração poderosa, assumindo a gravidade de pecado diante de Deus, não colocando a culpa em mais ninguém, mas se colocando como o único responsável pelo pecado, que rouba a paz e separa do melhor de Deus. Junto dessa assunção vem o reconhecimento de quão santo é Deus, pois essa oração coloca o homem perto de Deus, mas isso é só o começo de uma experiência maior com o mundo espiritual, com o conhecimento dos mistérios do Altíssimo. O verdadeiramente arrependido não imputa ao santíssimo erro por ter sido disciplinado, antes aceita a disciplina com humildade e deseja com todo o coração não pecar mais, esse é o terreno mais fértil para que espiritualidade verdadeira brote. 

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário