domingo, outubro 04, 2020

4. Para não ir pro inferno

Espiritualidade Cristã (parte 4/64)

      “E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do homem; O campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno; O inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos. Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade. E lança-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.” Mateus 13.37-43

      Algumas pessoas buscam alguma espécie de espiritualidade porque têm medo da morte, ou mais, para se livrarem do inferno, bem, nesse quesito há um ponto positivo para os que creem assim, tem que se acreditar no inferno para se ter medo dele, assim como crer que Jesus pode livrar dele. Mas será que só isso, o medo do inferno, é motivo legítimo para sermos espirituais? Quem é motivado só por medo nunca aprenderá de fato sobre o amor verdadeiro, respeitará, até temerá, mas não amará, e uma relação em e por amor é princípio fundamental da nova aliança em Cristo, seja amor a Deus ou aos homens. É mais sadio amarmos mais o céu, que temermos o inferno, isso é uma motivação mais positiva. 
      Penso que quem busca religião só por temor do inferno precisa, além de crer em Jesus, ter sessões de psicoterapia, esse medo pode ser só uma projeção de outros medos, não espirituais, mas psicológicos e maiores, acumulados em uma vida que sofreu com autoritarismo e violência. Muitos com doenças emocionais têm a tendência de transferir suas referências erradas de família para as coisas Deus, buscam um lar na igreja e um pai no pastor. Por outro lado o medo pode ser só de morrer, dizem que só não tem medo da morte quem tem medo da vida, assim, esse tipo de pessoa intimamente alimenta uma vontade de “partir” para não ter que enfrentar certas realidades ou responsabilidades no plano físico. 
      O que nos leva a temer a morte? Como outros medos, tememos mais a imaginação que fazemos de certas coisas, as imagens mentais que nos vêm à cabeça e os sentimentos que pesam em nosso coração, que a coisa em si, ou o que ela é de fato. É claro que se tratando de morte, ninguém pode saber com rigor científico o que acontecerá depois que nosso corpo físico parar de funcionar, assim, a única referência que temos são as interpretações religiosas que colecionamos durante nossas vidas. Condenação eterna a sofrimento é conceito de várias religiões, mas o cristianismo prega isso de maneira especial, e o cristianismo protestante não deixa meio termo, ou é céu ou é inferno. 
      Ausência de tudo, um lugar fechado e escuro, sem ar, quente e desconfortável, muitos podem sentir que a morte lhes entregará a uma condição assim, mas é preciso entender que essas são sensações que nos aterrorizam porque restrigem o corpo, é o nosso corpo que precisa de oxigênio limpo, de temperatura adequada, de espaço e de luz, o espírito não precisa disso. Mas o que nosso espírito sentirá após morte? Nem a Bíblia traz detalhes de nossa existência pós morte, e como já dissemos, na doutrina protestante, ou é céu ou é inferno. O texto inicial de Mateus 13 fala sobre o inferno, pela doutrina protestante os salvos por Cristo terão direito ao céu, os demais, ao inferno.
      O texto de Mateus 13 é parte da parábola do joio e do trigo, vegetais semelhantes e plantados num mesmo lugar, mas com diferenças, o trigo dá fruto, o joio não, o trigo é mais maleável, o joio é mais duro. A simbologia nos faz pensar na igreja, num grupo onde pessoas diferentes frequentam a mesma comunidade e professam a mesma religião, contudo, umas são de fato convertidas, as outras não. Interessante que Jesus cita como condenados ao inferno não pessoas do mundo, mas o joio, religiosos que dizem professar a mesma fé que o trigo, mas que são joio, não praticam o que professam e devem permanecer assim, enganando, até o fim, quando receberão a justa condenação. 
      Quem prestar atenção verá essa delicadeza em grande parte da Bíblia, os ensinos não cobram os de fora, os do mundo, mas os de dentro, seja da nação de Israel ou de membros de igrejas evangélicas. Isso deveria ser exemplo para pregadores que gostam de julgar e condenar ao inferno aqueles que aparentemente são diferentes deles, enquanto deixam de cobrar muitos dentro de suas igrejas, só porque se parecem cristãos e são fiéis nos dízimos. Quanto adultério, hipocrisia e mentira no joio que muitas vezes é até mais honrado que o trigo, trigo que não aceita o pecado, principalmente aquele do “altar”, e que acaba sendo desprezado pela liderança que não quer confrontar os que lhe oferecem vantagens política e econômicas.
      Devemos ser espirituais para não irmos para o inferno? Cuidado, o céu não é lugar (ou posição) para preconceituosos, assim como o que nunca frequentou igreja cristã não irá necessariamente para o inferno, não só por isso. A verdade é que muitos se surpreenderão quando passarem desse mundo para o outro, desse plano para o outro, um estado de surpresa que poderá levar não instantes, mas milhares de anos. O grau de surpresa está diretamente relacionado com a nível de verdadeira espiritualidade em que cada um estiver, não de acordo com referências que muitos líderes religiosos, incluindo cristãos, ensinam, mas de acordo com a verdade mais alta e iluminada do Deus altíssimo.
      Os cristãos, pela Bíblia, têm pouca informação sobre o céu, e a verdade é que em sua maioria, seguindo a tradição dos israelitas no antigo testamento, pouco se interessam pelo melhor de Deus na eternidade, digo melhor porque o inferno, o pior de Deus, também pertence a Deus, mas ele criou com objetivo diferente do céu e destinado a seres diferentes. Temos informações no novo testamento, principalmente nos evangelhos e no Apocalipse, mas se resumem a um lugar onde não haverá sofrimento, morte e trevas, mas amor, luz, vida eterna e uma comunhão plena com Deus. João o evangelista mostra o céu como uma cidade luxuosa cercada por uma natureza exuberante, enfim, com referências físicas de estética e bem estar. 
      O céu pelo cristianismo é recompensa máxima para quem atingiu a mais elevada espiritualidade, espiritualidade que está, de acordo com o novo testamento, mais relacionada à salvação pela fé em Cristo e a virtudes de justiça e amor, ainda que devam ter como efeitos obras na Terra, que de fato a um conhecimento e uma comunicação profunda com o mundo espiritual. Assim o cristianismo aguarda o céu, mas pouco se interessa por ele, na prática quer vida boa na Terra, e a princípio não há nada de errado com isso. Estamos no mundo físico com orientação de Deus para dominá-lo, com população e conhecimento, e mais, temos todo o universo para conhecer ainda encarnados, luas, planetas, sóis etc.
      Ocorre diferentemente com outras religiões, muitas têm um interesse mais profundo pelo plano espiritual, tanto filosófica quanto praticamente. Isso seria porque elas são conduzidas pela mesma curiosidade pecaminosa que levou o homem a provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal no Éden? Basicamente, sim. Se alguém não concorda, acha que a Bíblia fala bastante sobre o mundo espiritual e que isso é bem ensinado nas igrejas, é porque não conhece de fato sua religião, assim como as demais. Mas por favor, entendam corretamente, com isso não vai aqui uma crítica ao cristianismo, apenas uma constatação que nos permite entender algumas coisas, certas prioridades levantadas nas igrejas. 
      O cristianismo é a expressão do mais alto amor de Deus à humanidade, à medida que oferece, através de personagens da nação de Israel no velho testamento, Moisés, Samuel, Davi, profetas e outros, e dos apóstolos e Paulo registrando as palavras de Jesus e do início da Igreja, a maneira mais simples assim como a mais eficaz do homem ter comunhão com o melhor de Deus, sem “atravessadores”. Essa maneira se resume a uma palavra: Jesus. Outras religiões até se aprofundam em alguns assuntos, mas não focam no principal, por um motivo ou outro, e acredite, evangélico e católico que só conhecem as próprias religiões e olhe lá, existe sabedoria em textos sagrados fora da Bíblia, que todos deveriam ler, com o cuidado devido. 
      Existem dois posicionamento sobre saber se se vai para o céu: uns acham que o espiritual tem certeza que vai, crê no evangelho e não pode negar uma promessa que é de Deus, que por sua vez não volta atrás com sua palavra. Outros, porém, acham que a resposta mais espiritual que se pode dar quando se é questionado sobre certeza de ir para o céu após a morte é, “Deus sabe”. Confesso que como crente com base doutrinária de igreja batista tradicional fui ensinado que devo ter certeza e pronto, contudo, ultimamente tenho refletido sobre a resposta “Deus sabe” com mais atenção, mesmo sem que eu tenha perdido a convicção sobre a minha experiência pessoal com Deus, aliás, ela só tem aumentado. 
      “Deus sabe” talvez seja a maneira que devemos encarar os outros cristãos, ainda que os amando e respeitando como cristãos. Quem é meu irmão em Cristo e estará no céu comigo? Eu tenho muito cuidado em usar o termo “irmão”, certeza só terei na eternidade, ainda que queira e tenha amigos que gosto muito dentro de igrejas evangélicas, contudo, também tenho ótimos amigos que não são evangélicos, e alguns que me ajudam mais que muitos que me chamam de “irmão”. Mas isso é como eu encaro as coisas, e eu separo bem pessoas que de fato têm uma verdadeira comunhão com Deus de pessoas simplesmente doutrinadas por comunidades cristãs, muitas vezes convencidas, mas não convertidas.   

Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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