terça-feira, outubro 27, 2020

27. Humildade: opção ou obrigação?

Espiritualidade Cristã (parte 27/64)

      Humildade talvez seja o efeito mais profundo da verdadeira espiritualidade, já que algumas virtudes podem ser aparentes e sentidas pelas pessoas, como um testemunho de santidade, atitudes e palavras realmente de amor, assim como uma disposição de constante tranquilidade e domínio próprio que transmite uma paz real. Contudo, humildade é algo muito mais sútil, a verdadeira se instala em nosso âmago, só Deus sabe de fato se somos ou não humildes, por outro lado, mesmo a ausência aparente de algumas virtudes, pode não indicar a ausência de um espírito  humilde. Já pensamos sobre humildade neste estudo, mas pela importância do assunto, vamos refletir um pouco mais nessa e nas duas próximas partes. 

       “Ainda que o Senhor é excelso, atenta todavia para o humilde; mas ao soberbo conhece-o de longe.Salmos 138.6

      Humildade, talvez seja a virtude mais difícil de se ter, e a mais delicada, facilmente se perde. Quem a tem? Só Deus conhece de fato os realmente humildes, já que nós, homens, podemos nos enganar sobre ela, a vermos em quem não a tem, muitos são dissimulados profissionais em emular virtudes, e não a enxergarmos em que a tem lá no fundo do coração, mesmo que seja um coração encapado por um jeito grosseiro de ser, no trato e nas palavras. A verdade é que nós, principalmente os cristãos com séculos de tradição católica hipócrita, criamos arquétipos de humildade, e parece que quando alguém foge desse arquétipo achamos que não é humilde. As pessoas, contudo, podem ser humildes por motivos diferentes.
      Alguns são humildes por opção, podem escolher isso. Esses são bons cidadãos, bons profissionais, bons cristãos, conseguem errar menos, fazem as melhores escolhas antes, têm bons empregos, bons casamentos, bons amigos e são considerados como membros fiéis em suas igrejas. “Mas como, esses parecem tão corretos e ainda assim podem escolher não serem humildes?” Exato, e justamente por serem tudo o que foi descrito, eles, lá em seus íntimos, em seus corações, de um jeito que só Deus sabe, podem não ser de fato humildes. Muitos pensam assim: “sempre fiz tudo certo, sou honrado por isso diante de meus semelhantes, não preciso me rebaixar para certas coisas, para certas pessoas, tenho direito ao meu orgulho”.
      Ouros, contudo, têm a obrigação de serem humildes, eles não têm outra saída para seguirem vivos. Esses fizeram tudo errado, pelo mal que lhes fizeram e pelo mal que eles quiseram fazer a si mesmos, fizeram alianças equivocadas e foram infiéis com elas, traíram e como efeito foram traídos. Dessa forma, para poderem ter ainda nesta vida um pouco de paz, uma segunda chance, ainda que tardia, alguma liberdade, ainda que na solidão, precisam tratar muitos com humildade, sem exigências, sem cobrar que ninguém os perdoe, mas firmados apenas no perdão de Deus e de si próprios. Esses entenderam que não podem confiar em si mesmos, e muito menos naqueles que sempre os verão como eram, não como são agora. 
      Existe um terceiro e um quarto tipo de pessoa. Um deles é aquele que mesmo tendo sido melhor e há mais tempo, é humilde, esse é o tipo mais raro de ser humano, o que sempre teve, mas ainda assim vive como se nunca tivesse tido, o que abre mão de valores pessoais, de aprovações humanas, para confiar em Deus e tratar com misericórdia a todos os homens, mesmos os mais pecadores, ainda que não precise de ninguém. O quarto tipo é o tipo mais triste, ainda que tenha errado, não aprendeu com os erros, e segue, errando mais e arrogante. Contudo, uma pergunta cabe aqui, sobre os dois primeiros tipos: quem é mais feliz? O que pouco errou, mas envelheceu arrogante, ou o que muito errou e aproximou-se da morte humilde?
      Para responder essa pergunta é preciso responder outra: para que serve essa vida, para que estamos neste mundo? Para sermos importantes materialmente, diante dos homens, ou para adquirirmos espiritualidade que agrade a Deus? Se for para nascer de um jeito, passar por juventude e maturidade e continuar igual, talvez nem importe se fomos sempre ruins ou bons aos olhos dos homens. É preciso evoluir, mudar, e todos, todos nós temos o que mudar, ninguém nasce pronto, ainda que num nível “espiritual” (moral) mais alto que outros. No que mudar, onde e quando mudar, cada um de nós sabe, ainda que mostremos para os outros uma aparência de integridade e excelência. Uma coisa é certa, para o que muito errou é muito mais difícil mudar, deixar o mal e fazer o bem, largar a infidelidade e ser fiel. 
      Os que erraram muito não têm escolha, se quiserem uma vida diferente terão que ser humildes, Deus, contudo, cuida de um jeito especial dos humildes, dos que não confiam em si mesmos, isso por não terem justiça própria para confiar, e confiarem em Cristo, que justificou os pecadores. Entretanto, cuidado, não acuse os que se refugiaram no perdão de Jesus, quem faz essa acusação não acusa o pecador, mas quem o perdoou. Infelizmente, muitos religiosos que conhecem o evangelho de trás para frente podem ainda nem terem se convertido, se acham cristãos por acharem que merecem ser. Quem acha que merece nunca foi de fato cristão, o fundamento do novo nascimento em Cristo está na assunção de que nada se merece, mas tudo se recebe pela graça de Deus, a humildade verdadeira começa aí, e daí ilumina-se para a espiritualidade.
      O texto inicial fala de uma dimensão interessante para discernir o humilde do soberbo, a distância. Enquanto o humilde se conhece quando se olha de perto, no coração, já que a humildade verdadeira pode ser simulada com aparência de falsa humildade, o soberbo se vê de longe, por quê? Porque ele gosta de ostentar, de se exibir, e muitas vezes mesmo virtudes falsificadas, que ele sabe que são importantes, mas não paga o preço para tê-las de fato. Deus conhece o soberbo de longe, ele é facilmente identificável porque quer aparecer, já o humilde é discreto, sábio, aprendeu a se recolher em si, ele sabe que muitas qualidades, ainda que genuínas, não podem ser valorizadas por todos, assim ele as guarda como seu tesouro mais valioso. O humilde, não se posta diante de homens porque confia em Deus, isso é espiritualidade cristã. 

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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